domingo, 12 de setembro de 2010

Poemas de meu pai

Há mais de setenta anos que um caderninho de poemas da autoria de meu pai corria risco de extravio, viajando de gaveta para gaveta, de casa para casa, até que foi recuperado em pleno lixo. Era só mais um dia e nunca mais dele ninguém teria conhecimento.
Constituindo hoje uma preciosidade para mim, o seu extravio ou destruição seriam uma perda irreparável. Devo a este encontro com o espírito poético (que nunca sonhara) de meu pai a minha entrada, justamente há um ano, neste site, o que considero ter acontecido em boa hora, por me proporcionar momentos e leituras gratificantes.
É com este espírito que hoje torno público mais um desses poemas, homenageando o seu autor (aliás poema de «mal de amor»).

Antes de passar aos belos poemas do meu pai, gostava de citar 2 poemas meus, onde expresso o grande sentiento de saudade e amor que sinto por ele.

Vivência

Orgulhosa sinto de meu pai o engenho
Recordá-lo inveterado sonhador
Saudades muitas na minha alma tenho
Dentro de mim o gene do seu amor

Deixa que num doce enlevo, ternamente
Te cante homem sofredor
Tua memória recorde em canção dolente
Revivendo o teu verso criador.

Pensando em ti

Quando rememoro o meu tempo de criança
E regresso aos primórdios do meu ser
Quando no desalento agarro a esperança
E de novo a vontade de viver

Nessa hora meu pai eu penso em ti

Quando no devaneio da adolescência
O sonho de mim toma conta
E do teu amor a carência
Ao longe, muito longe, desponta

Nessa hora meu pai eu penso em ti

Quando dos meus dias responsável
Caminho na estrada da vida
E dentro de mim só pensável
Do adverso vislumbrar a saída

Nessa hora meu pai eu penso em ti

Agora na idade madura
Em que para trás o tempo diviso
E dentro de mim murmura,
Sussurra do tempo o siso

Nesta hora em que o tempo vislumbro
Que com o belo da vida me deslumbro

Nesta hora meu pai
Como hei-de não pensar em ti?

Olema


Poemas de meu pai:

(Terra natal de meu pai-Mirandela)

Amor constante

(Poema escrito na aldeia de Mascarenhas).



Como foi grande o apaixonado afecto,
Que por ti senti em horas d’amargura.
Como eu amava o teu perfil dilecto,
Que me fez sonhar momentos de ventura.

Como eu sofri ao conservar-me quieto,
Gemendo, ao ver doutro, tua alma pura.
E como sofre meu coração inquieto,
Pulsando por ti com estranha loucura…

Ainda agora apesar de mui distante,
Guardo em meu peito teu perfil galante,
Entre amor imenso e saudade atroz.

Mas tudo envolvido pela incerteza,
Escreve-me; dá-me a boa ou má certeza,
Se serei amado, sim ou não, por vós.

(Soneto)


Chama saudosa















Como vai já longe minha infância risonha,
Que eu quisera outrora que não tivesse fim!...
Foi um sonho leve que a gente apenas sonha,
Para findar depois como findou em mim…

Deixando-nos, somente, recordações saudosas,
De quiméricas visões que o tempo enevoou…
Óh, utópicos devaneios; Óh, coisas vaporosas,
Que minh’alma pobre tanta vez sonhou.

Correi: Vinde outra vez minh’alma acalentar,
Aquecei meu peito frio, triste e sofredor,
P’ra que antiga alegria lá possa voltar…

Mas nem assim se alegrará; sei-o muito bem,
Porque me falta a chama dum sincero amor;
Porque me falta a luz do amor duma Mãe!...


Divagando






Nestas noites estivais de viração amena,
Em que toda a gente sai a passear.
Eu, francamente, sinto muita pena,
De não poder contigo adormecer, sonhar…

Sonhar, sonhar lá pela noite adiante,
‘te despontar a rútila alvorada.
Eu sonharia uma ilusão distante,
Ilusão d’amor por mim arquitectada.

E eis porque lastimo esta sorte dura,
Que calcina deveras, minh’alma pura,
Lançando-a com força para a vil paixão.

Desculpa-me tu, esta grande ousadia,
Mas sempre altivo, só na morte ímpia,
Perderei a esperança ao teu coração.


Um dia



















Um dia contemplei-te meigamente,
E fiquei com desejo de merecer-te.
Amor, talvez, porque depois ausente,
Virá o desejo de voltar a ver-te…

Para saciar aquela saudade,
Que atingirá meu coração em parte.
Para ver teu rosto, reflectir bondade,
P’ra com mais força, continuar a amar-te.

Para, enfim, amar-te, loucamente,
Fazer a vontade ao peito fremente,
Onde pulsa por ti meu pobre coração.

E eis aqui o soneto particular,
E se o autor não quiseres amar,
Dele, pelo menos, não te esqueças, não!...


Beijar
















O beijar não é pecado,
Diz um velho rifão…
Quanto mais um beijo dado,
Como prova d’afeição.

Pedi-te um beijo,ó moça,
Negaste-ma tua face.
Só desejava por força,
Que esta paixão passasse.

Agora com grande pena,
Não deixo de te ter amor…
Porque os teus olhos, pequena,
Têm um brilho encantador.

E finalmente estou triste,
Porque não sei que fazer.
Se continuar como viste,
Ou procurar esquecer…


Gratidão


















Sou teu humilde colega,
Feliz em te conhecer…
Minh’alma grata fumega,
A gratidão por teu ser.

Sinto por ti gratidão,
Grata amizade também.
Porque a minha ingratidão,
Pagaste-ma tu com perdão,
Quando morreu minha mãe.

Tenho por ti amizade,
E devo-te muitos favores.
Mesmo com tua bondade,.
Até mataste a saudade,
Aos meus antigos amores.

Sinto por ti uma paixão,
Que me custa a sufocar.
Está preso teu coração,
Mas quando livre, então,
O meu te saberá amar.

Gosto de ti, finalmente,
Só te peço um favor.
Que tenhas sempre na mente,
O perfil deste inocente,
Que te admira com fervor…

E que na sua pobre vida,
Toda feita de bondade.
Precisa d’alma sentida,
Que lhe ajude, nesta lida,
A matar a saudade!...

(Poema que o meu pai dedicou a uma colega sua)


Võo d'Alma














Já longe, quando o carro se sumia,
Contornando os pinhais, serenamente,
Inda avistava eu, minh’alma ardente,
Que atraz do carro, para ti corria…

Já o crepúsculo que se segue ao dia,
Tomara a vida, muito meigamente.
E no meu ser, ficara inda ausente,
Essa louca alma que me pertencia…

Mas que fugiu; voou p’rá minh’amada,
Quebrando velhos laços d’amizade,
Com a rapidez d’alma apaixonada.

Ai!... A partida dela e do meu amor,
Deixou meu coração com saudade,
E o meu ser na mais profunda dor


Soneto




















Vede d’outrora o que transparece apenas,
Neste modesto livro que consegui formar.
Um coração cansado, repleto de penas,
Por não ter alguém, a quem sincero amar…

Uma alma rude que em noites amenas,
Ao mundo das quimeras me soube levar.
Quando d’alguém; bênçãos às centenas,
Minha infantil vida, vinham animar.

Afinal, um pobre ser muito magoado,
Vivendo neste orbe, sempre abandonado,
E com saudades indeléveis d’alguém…

D’alguém que com loucura m’estremeceu,
D’alguém que m’abençoou quando morreu…
D’alguém, infeliz como eu… de Minha Mãe!...


Um sonho















Sonhei, que nos teus lábios sorveria,
Distância dos mares que percorreste.
Sonhei, que d’entre os abrolhos sairia,
Pelas esperanças que tu me concedeste.

Sonhei, que nos teus lábios aspiraria,
A brisa ardente da terra onde nasceste.
Sonhei, que junto a ti eu viveria,
Muito feliz porque me compreendeste.

E sonhei, que junto a mim sempr’estava,
A mulher que eu outrora já amava;
A mulher que, em silêncio, sempre amei…

Mas…Óh dura desilusão que me vai ferir,
E me fará sofrer, porque tu vais partir,
Deixando-me apenas, sonho, que eu sonhei!...

(Poema que o meu pai dedicou a uma colega brasileira)

Coração Errante



















O meu coração errante
Aportou à tua porta…
E quis reviver a distante
Ilusão talvez d’amante
Mas afinal quási morta.

E reviveu com saudade
Horas que não voltam a sorrir.
Os meus laços d’amizade,
Que para contigo beldade,
Jamais se hão-de partir.

E num momento reviveu
Todas as nossas relações.
Ai!...Infeliz coração meu…
Nem já sei quanto sofreu,
Ao recordar ilusões…

Agora pobre coração,
De que te serve o carpir?...
Se no fim do ano, então,
Partirá teu coração,
Querida colega - a fugir…

Depois um pouco distante,
Lá onde habitam teus pais.
Não ouvirás dissonante,
A voz deste estudante,
A suspirar e aos ais…

E continuará a errar,
Qual judeu débil, cansado.
Exausto de procurar,
Uma alma que saiba amar,
Meu coração malfadado…


Mulher Ingrata


















Cruel mulher que eu amei,
Ingrata por quem chorei,
Pranto imenso de dor…
Porque tu me falseaste,
Ingrata m’enganaste,
Repartindo o teu amor…

Que eu julgava só meu,
E que finalmente morreu,
Nas sombras desta ilusão.
Coração aniquilado!...
Evoca só um bocado,
Dessa funesta paixão.

Evoca inda a história,
De bem triste memória,
Para ti coração meu.
E verás como é triste,
Quem no mundo resiste,
Aos embates como eu.

E tu mulher assassina,
Inconsciente e ferina,
Do meu puro amor troçaste.
Fizeste vergar por terra,
O leal peito que encerra,
Meu coração que enganaste.

Não te lembras? Oh ingrata!
Daquela paixão que mata,
Que me invadiu a mim?...
Pois eu vejo bem em ti,
A mulher por quem sofri,
Para me fazeres assim!...

…Roubando-me a alegria,
Destruindo-ma um dia,
Com teu olhar traiçoeiro.
Com essa tua traição,
Deixaste-me desde então,
No mais duro cativeiro.

Aniquilado pela dor,
Meu coração sonhador,
Assim vive despresado.
Mas imerso em bondade,
Porque na humanidade
Todos nós temos um fado.

Que nos conduz vida fora,
Desde o berço – a aurora -
‘Té ao crepúsculo da vida.
E o fado de um desgraçado,
Que amou sem ser amado,
É uma canção sentida!...

Que o pobre vagabundo,
Entoa por esse mundo,
Em busca de sorte bela.
Mas quem nasceu malfadado,
À sorte já abandonado,
Não pode fugir a ela!...

Resta-me apenas cantar,
Em versos a soluçar,
A sua ilusão perdida.
E há-de mesmo sofrer,
Sentindo as outras gemer,
Através da sua vida.

Eis em sofríveis versos,
Meus pensamentos imersos,
Em ondas de desalento.
Com tua traição mesquinha,
Lançaste a vida minha,
Num horrível sofrimento.

Eu penso com amargura,
Que herdei a desventura,
Da minha pobre mãezinha.
Oh!...Coração torturado!...
Se esse é o teu fado,
Cumpra-se a sina minha!...


Quadra



















Vêde do passado o que me vai ficando,
A alma dolorida por não poder amar.
A ideal mulher que eu vinha sonhando,
Desde a minha infância – meu perdido lar…

Recordações

















Minha mãe! Pobre mãe!...Então não te recordas,
Daquele ente d’outrora, que acalentaste?!...
Minha mãe! Minha mãe! Já nem sequer acordas,
Para ver teu filhinho, que tu tanto amaste!...

Não te recordas dele, crescendo também,
Abençoado por ti, a todos os momentos?!...
Acorda!...Abençoa-me agora, minha mãe,
Alivia ao filho teu, estes seus sofrimentos!...

Mãe!...Oh!... Não te recordas, de quando o destino,
À cova te arrojou, á terra fria, ao nada?...
Eu chorei, evoquei meu tempo de menino,
Com a alma saudosa e mui dilacerada!...

‘Te agora na penumbra, triste, do meu quarto,
Fico absorto, sentindo a alma dolorida…
E quando adormeço…Óh! Num sonho parto
Para a materna casa, o meu raiar da vida!...

E lembra-me então meu tempo de menino,
Tempo distante já; e que nunca mais vem!
Como eu era feliz, -um risonho bambino-
Dormindo no regaço teu. Oh! Minha mãe!...

Ah! E quando cheguei à idade escolar!...
-Sinto a saudade desse tempo já vivido-
De quando tu mandaste aprender, estudar,
Este pobre infeliz, teu filhinho querido.

E aquele dia de verão? Mãezinha! E que dia,
Ficaste contentinha, tu, como ninguém!...
O teu menino bem, no exame…Que alegria
Experimentou teu peito de extremosa mãe!...

Depois como julgaste muito grande, imensa,
Crescente inteligência deste teu menino…
E nem sequer lembraste, aquela diferença,
Que sempre imprime, à vida humana o destino.

E agora desse além, muito desconhecido
Talvez tu não conheças a minha dor…Óh mãe!
Não imagines quanto, quanto hei sofrido,
Neste mísero mundo, órfão, sem ninguém.

Porém, na senda errante da fatalidade,
Eu vou deixando sempre, meu pranto correr.
Enquanto a minha alma, toda saudade,
Doces horas distantes, tenta reviver!...

E assim, na humanidade inquieta,
A um cantinho dela, o meu pobre ser.
Tentou lembrar o passado; e quis ser poeta,
P’ra como preito, uns versos te oferecer.

E eis como venceu esta dificuldade,
A minha alma pobre, que no âmago tem:
O desejo do bom Deus a sua piedade
E o anseio da tua protecção. Oh, minha Mãe!...


Ama os teus Pais



















Mimosa flôr que vais desabrochando,
Entre os afagos do maternal carinho.
Eis aqui os versos, mas aconselhando,
Que ames teus pais, - o teu ditoso ninho.

Porque depois no anoitecer da vida,
Mesmo como eu, na subida penosa.
Tu sentirás a alma dolorida,
E voarás sozinha, como mariposa…

Que rodopiando toda a sua vida,
Cai por fim morta e desiludida,
Nas fauces negras da terra voraz…

Acautela-te do traiçoeiro amor,
Porque o amor dos outros é enganador,
Como o de teus pais, jamais encontrarás.

(Poema que o meu pai de dicou à menina Lucília Celeste Caseiro).

Quadra Premiada















Essa branca capelinha
Debruçada sobre o Tua
Ampara na sua fé
A gente da minha rua.

(Quada premiada que o meu pai fez em nome das Festas de N. Sr.ª do Amparo)

Veríssimo Salvador Correia

1933-1946