sábado, 4 de setembro de 2010

Morena linda/Saudade

Poema de meu pai, acompanhado por duas estrofes minhas demonstrando a saudade imensa que reina em mim por ele.


MORENA LINDA

Tive a dita de ver, linda morena,
Teus olhos negros; negros d’ encantar.
Tua rósea boquita, mui pequena,
Feita só p’ra cantar, beijar, amar!...

Francamente, eu digo, com que pena,
Te verei partir; a alma a soluçar.
Por numa, nem sequer, conversa amena,
Este amor meu, poder-te, confessar.

Partirás – De mim algo irá contigo,
Deixarás tua neste peito amigo,
A recordação grata e sedutora!...

E mesmo quando, já depois ausente,
Inda, em canção, ouvirei ardente,
A tua voz de linda sonhadora…



Veríssimo Salvador



SAUDADE

Ao ler teus versos, ardentes, apaixonados
De saudade transbordou meu coração
Ditados por profundo amor, inspirados
Sonho daquele que com mil cuidados
Poisou sobre mim, de pai, a sua mão

Ao longe muito longe no tempo te venero
Saudoso pai que à vida intenso te doas-te
A tua memória guardo qual tesouro
Filigrana modelada no mais puro ouro
Voraz foi o tempo que por ti passou



Olema Correia

Os meus olhos teu guia

Se estou desperta

Basta que abra os olhos

E a coisa mais simples acontece

Eu vejo, reconheço as coisas

Sinto-me mergulhar

Num mundo de luz e cor.

Mas de trivial que é

Aquilo que vejo

Não me dou conta do milagre.

Mas se penso e me ausculto

Se entro dentro de mim

O incrível faz-se evidente.

Não atinjo, não atino

Na incapacidade de ver

Que a escuridão me atormenta

E a falta de luz não me apascenta

Na ânsia natural de viver.

Entretanto sinto-me ter que ver

Com algo que me é importante

E o maravilhoso acontece

Ao ver que pelos meus olhos

Outra humana criatura

Caminha com segurança

E ousado se abalança

A fazer coisas de monta

Em que ler e escrever

Porventura voltar a sonhar

Tem de relevo um lugar.



*Dedicatória ao meu companheiro de todas as horas, A. B.

Com carinho,
Olema

Ainda África

AINDA ÁFRICA

Demandei terras de Angola

Ao amanhecer do meu tempo

Era menina ainda


Por Angola me apaixonei

Por ela me fiquei

Até à idade madura


De África sorvi os cheiros

Vi a grandeza do Imbondeiro

O pôr do sol respirei


Recordo a boa gente

Do futuro a semente

O brotar de uma Nação


Lamento que a guerra

Tenha feito desta terra

Mar de destruição


Terra que se fez mártir

Deveras sacrificada

Sofrida até mais não


Houve gente que a honrou

Por ela se sacrificou

E lhe deu a sua vida


No regresso atribulado

Trouxe comigo a esperança

De lá de novo voltar




Marcas da Guerra:



Olema

Ser Mãe



SER MÃE*

Ser mãe é ser mulher

Da árvore da vida ser fruto generoso

É conhecer dos dias o amargo e o fel

Mas é saber sugar-lhes das alegrias o mel.

Ser mãe é ser entrega desinteressada

É às vezes ser mal amada

É ir buscar tempo ao tempo

Para ao filho extremoso dedicar

É exibir alegria sofrendo

É de ânsias conhecer muitas horas

Do cavalo da vida conhecer as esporas

E na dor ver sempre a esperança.

Mas ser mãe é ser fonte de ternura

É da açucena colher a doçura

A infinita capacidade de se dar.

É dentro de si em medidas sem medida

Sentir todo o poder de amar.


Olema

*Faz hoje 35 anos que dei à luz pela 3ª vez.



Gostava de citar um comentário tocante feito por CaoPoeta quando publiquei o poema acima no Luso-Poemas.


"As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos
filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe á cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do
amor.

HERBERTO HÉLDER



-porque não consigo dizer ou escrever o que sinto;
obrigado por seres."